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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O que vale mais: uma vida europeia ou africana?



Israel Gonçalves 

Os atentados ao semanário Charlie Hebdo e os sequestros de cidadãos, que ocorreram desde o dia 07 de janeiro, na França, são fatos repugnantes e devem ser punidos de forma severa.  Uma parte da mídia televisa cobriu os fatos de forma full time e ao longo da sua programação trouxe especialistas na área para expor suas opiniões sobre as ações ora dos extremistas, ora do governo francês e do outro lado do atlântico também ocorriam ações de extremistas, mas na Nigéria. A diferença que isso foi noticiado apenas em um ou outro momento pela mídia. Alguns veículos de comunicação impressa dedicaram meia página para o que correu na Nigéria, enquanto os atos na França mereceram até 6 páginas inteiras. 

O que corre na Nigéria é diferente do que aconteceu na França, mas não menos relevante. Na república africana há uma guerra civil que não é reconhecida pelo Estado nigeriano. O grupo que se opõe por meios de armas ao governo se intitula de Boko Haram, pelos analistas o grupo é considerado braço armado do grupo terrorista Al Quaeda. O Boko Haram também proíbe a liberdade de expressão Ocidental, já matou milhares de cidadão civis nigerianos e usa como tática o sequestro de crianças em escolas para doutriná-las.  A Nigéria tem a 7ª maior população mundo, com 175 milhões de habitantes, é um país importante, pois faz parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e é considerada uma potência econômica regional.  Já os atos de terrorismo na França, que são considerados atentados contra a liberdade de expressão Ocidental, já são bem conhecidos por nós, assim como a importância histórica da França para o mundo. Nesse contexto fica uma questão para se debater: será que para a mídia brasileira a vida de nigerianos tem menor importância do que a vida de poucos europeus e, por isso, a divulgação do que ocorre naquela república tem um tempo menor?

A pauta da mídia televisa brasileira é parcial, como fica claro nas diferenças de cobertura entre o que aconteceu na França e o que ocorreu na Nigéria. Como exposto, a Nigéria não é um pequeno país perdido no continente africano, ao contrário é relevante geopoliticamente para o Norte da África Ocidental. Outro fator importante é que mais da metade da população brasileira tem sua história ligada ao continente africano, por isso, os fatos que ocorrem na Nigéria deveriam ter a mesma atenção que se dá aos da Europa. São questões como essas que devem fazer parte de debates sobre a democratização da mídia brasileira.

Israel Gonçalves é cientista político, professor e autor do livro: O Brasil na missão de paz no Haiti.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O Parlamento Regional Urbano de Piracicaba



Israel Gonçalves 

O vereador Ronei Costa Martins (PT) deixou de ser Presidente da Câmara Municipal de Limeira, porém continua Presidente do Parlamento do Aglomerado Urbano de Piracicaba (Praup) até o dia 03 de fevereiro de 2015, quando ocorrerão as eleições para a nova mesa diretora. A ideia de criar o parlamento surgiu em outubro de 2013, em Limeira e, por isso, se tornou a cidade sede.

Composto por 22 Câmaras Municipais e com 72 vereadores o Praup, representa 1,3 milhões de habitantes, com um Produto Interno Bruto (PIB) estimado em 29 bilhões de reais. Esses números demonstram a importância demográfica e econômica da união desses municípios em torno de um parlamento.   

Em um breve balanço, constata-se que em 2014 foram realizadas 7 sessões ordinárias – (as sessões eram realizadas de forma bimestral. Os parlamentares debateram vários temas ao longo do ano, o resultado desses trabalhos foi de 43 requerimentos, 16 moções e 7 recomendações que foram enviados para Governo Estadual. Também foram realizadas 2 sessões temáticas. A primeira foi em Iracemápolis e contou com a presença do Coronel Figueiredo e Dr. Ely que representaram o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo e discutiram com os parlamentares sobre a segurança pública nos municípios do Aglomerado Urbano de Piracicaba. A segunda sessão foi em Conchal e o tema foi a “Crise Hídrica nas Bacias do PCJ e Mogi Guaçu” e contou com a presença de Rui Brasil, representando o Secretário de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado. Outro fator relevante foi a busca de transformar o Aglomerado Urbano de Piracicaba em região metropolitana, buscando nessa ação a redução de tarifas, entre elas, a do transporte intermunicipal.

Já um fator que deve ser aprimorado é a relação entre o Praup e a sociedade civil, pois muitos cidadãos do aglomerado desconhecem a existência desse Parlamento e isso pode levar ao enfraquecimento de sua representatividade. Talvez seja necessário que a mídia, de cada cidade, abra mais espaço em suas pautas para divulgar os eventos e as sessões do Praup.

            O Praup é muito importante para o fortalecimento político da região de Piracicaba. Há muitos municípios considerados pequenos e que talvez não tenham como ser ouvidos pela administração estadual, mas por meio do parlamento essas cidades conseguem levar suas demandas para o Executivo estadual. A proximidade política entre os municípios ao longo do tempo poderá produzir uma relação econômica mais duradoura entre as cidades e é provável que também haja um estreitamento cultural entre os cidadãos de cada cidade.  

Israel Gonçalves é cientista político, professor e autor do livro: O Brasil na missão de paz no Haiti.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Cavernas urbanas onde a vida vale muito pouco


Outro dia no caminho para São Paulo, ouvi uma notícia pelo rádio, que me deixou de baixo astral. Uma reportagem sobre o que chamaram de cavernas urbanas, habitadas por moradores de rua que vão furando buracos sob pontes e viadutos e fazem desses espaços seus lugares para morar sem a mínima condição humana de sobrevivência.

O que mais me chamou a atenção foi o objeto principal da reportagem, pois o que estava em discussão não era a degradação da sociedade, que aquelas pessoas representavam tão bem e sim fato de caracterizarem e reforçarem a ideia de que as pessoas só criam essas alcovas para o consumo de entorpecentes e que a polícia, uma vez avisada, tinha que intensificar as buscas e expulsarem essas pessoas vistas como um incômodo para a sociedade.

Algo do tipo, podem ficar tranquilos que a polícia vai agir e expurgarem dali aqueles indivíduos, exatamente como fizera com a cracolândia espalhando viciados para todos os lados sem resolver o problema. A questão central para a elite brasileira e seus agentes não são as pessoas sem teto e o porquê delas estarem ali e sim que a sociedade que alegam lhes pertencer pode ficar mais bonita sem elas.

Está na hora agir contra esse estado de abandono. Sabemos que só existem desigualdades porque a renda está concentrada nas mãos de poucas pessoas e que a violência virou uma indústria que alimenta o sistema. Um prefeito ou uma prefeita que usa a máquina pública para se beneficiar ou ainda para fazer caixa dois para sua campanha, na prática está, não só sendo conivente com essa situação, mas principalmente alimentando a indústria do crime, da corrupção e reforçando o processo de desigualdades.

Uma pesquisa realizada em 2011, ainda na gestão do Prefeito Kassab, pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP, através de contrato estabelecido com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social – SMADS da Prefeitura Municipal de São Paulo – PMSP, revela que existia em 2011 na capital paulista em situação de rua um total de 14.478 pessoas, sendo 6.765 pessoas vivendo exclusivamente na rua e 7.713 em centros de acolhida na capital. Mais da metade dessas pessoas habitam o centro da cidade e outra grande parte na zona leste da capital.

Outro dado chama mais a atenção. Ao comparar essa pesquisa de 2011 com a de 2009, nota-se que essa população cresceu na ordem de 4,5% ao ano, enquanto os serviços municipais de acolhida atenderam apenas 78% desse crescimento. Essa diferença vai ao longo do tempo criando uma nova massa de desabrigados, expostas a todos os tipos de problemas, entre eles as drogas.

Essa situação vem mudando lentamente na nova gestão do Prefeito Haddad, a se notar pelo trabalho que foi realizado na cracolândia, onde as pessoas foram convidadas, não só para se mudaram para um hotel pago pela prefeitura e em troca também foram convidados a prestarem serviços para a população. Porém, se não for uma ação contínua e com ampla integração das diversas políticas públicas, as pessoas voltarão ao seu habitat natural quando em abandono. 

A extrema maioria dessas pessoas é do sexo masculino. São em grande parte pessoas que perderam o interesse de viver em sociedade, que por algum motivo também perderam o interesse pela própria vida.

A pesquisa revelou ainda que a maioria dessas pessoas é composta por adultos, porém com um grande número de idosos e crianças. Como era de se esperar a maior parte desses moradores em situação de rua ou em albergues são negras ou pardas, o que na prática revela a opressão da Casa Grande em relação à Senzala. Nota-se ainda famílias completas vivendo à luz do dia e sem um teto para abriga-los.

Por certo, os 85 bilhões de reais desviados estimados da corrupção visível, ou ainda os mais de 500 bilhões da sonegação fiscal, caso fossem canalizados para as causas sociais e humanísticas, não só resolveriam o problema da população de rua, como principalmente resolveria de vez a questão das profundas desigualdades que o país, apesar de muitos avanços, ainda vive.

Ao invés de choque de gestão, onde normalmente o governo entra em curto, a sociedade precisa se reinventar. Precisa por certo de uma alta dose de humanização. Porém o que vemos no dia a dia é a sociedade simplesmente expurgando quem não lhe interessa, como se ninguém tivesse a ver com a situação e enclausurando seja em presídios, fundações ou pontes, como se bastasse esconder os fatos por traz da aparência, que tudo seria resolvido.

Só a criação de um amplo projeto de humanização em todas as áreas e de combate a todas as formas de desigualdades e corrupção pode salvar a sociedade.


Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Coordenador do Programa de Capacitação Continuada em Gestão Pública
Fundação Perseu Abramo
toni.cordeiro@ig.com.br